
Aos 25 anos, Shayana Sarah Andrade Mousinho faz história ao se tornar a primeira mulher nascida no Cariri a ser aprovada no Concurso de Admissão à Carreira Diplomática (CACD), um dos mais desafiadores do Brasil. Com essa conquista, ela se prepara para atuar no Ministério das Relações Exteriores, conhecido como Itamaraty.
O caminho até aqui não foi fácil: Shayana superou a concorrência de aproximadamente 9 mil candidatos para garantir uma das 50 vagas disponíveis. Emocionada, ela relembra o momento em que recebeu a notícia da aprovação: “Quando eu recebi a notícia, eu não acreditei muito. Na hora, meu olho encheu de lágrima. Contei para minha mãe e para todo mundo, mas eu não estava esperando, foi uma emoção muito grande. Mas eu sei que eu não cheguei aqui por sorte, foi muito esforço”.
Graduada em Direito pela Universidade Regional do Cariri (URCA), Shayana dedicou cerca de oito horas diárias ao estudo durante um ano e meio. Ela também se beneficiou da lei de cotas do concurso, alcançando o oitavo lugar entre os 10 cotistas negros. “Eu me beneficiei de suas ações afirmativas. A primeira foi o programa de ações afirmativas de afrodescendentes e a segunda foi a cota para mulheres, que garantiu que mais mulheres chegassem à última etapa do certame”, explica.
Neste concurso, 42% dos aprovados foram mulheres, o maior percentual já registrado. Para realizar seu sonho, Shayana precisou abrir mão de outros projetos, como uma vaga de professora substituta na URCA em Iguatu, e conciliou seus estudos com um trabalho no Ministério Público em Juazeiro do Norte.
“Depois da graduação, fui professora de Direito Internacional, mas percebi que meu amor por essa área ia além da sala de aula. Desde 2022, venho pensando nesse concurso. No ano passado, comecei a estudar mais seriamente e este ano continuei me dedicando ainda mais, abdicando de muitos momentos”, afirma.
A mudança para Brasília está prevista para dezembro, mas Shayana garante que não se esquecerá de suas raízes no Cariri. “Acredito que a política interna e externa deve refletir a realidade do nosso povo. Não é justo que a política tenha a cara apenas das capitais. Para mim, é uma honra representar o Cariri, e vou levar comigo a cultura e o regionalismo. O Cariri agora tem uma advogada do Padre Cícero em Brasília”, diz, sorrindo.
A fé também desempenhou um papel importante durante essa jornada. O padrasto de Shayana, Fabrício de Morais Almeida, fez uma promessa de caminhar a pé da casa da família, no Crato, até o Horto do Padre Cícero, caso ela fosse aprovada. Ao receber a notícia, ele expressou sua alegria: “O Padim vai me ver, e vai me ver ligeiro!”. A promessa foi cumprida em uma caminhada de cerca de 12 quilômetros, iniciada durante a madrugada.
“Agora é só agradecer por essa conquista. Foi muita luta dela e muita fé no Padim! Ela fez a parte dela e o Padim a dele. Aqui temos muita devoção e vamos continuar firmes e fortes com o Padre Cícero”, reforça Fabrício.
Shayana também destaca a relevância de sua graduação no Cariri, que está entre os 100 melhores cursos de Direito do Brasil, segundo o Ranking Universitário Folha (RUF) 2025. Ao visitar o campus da URCA, foi recebida com elogios de alunos e professores, que celebraram sua conquista como uma inspiração, especialmente para mulheres em um campo historicamente dominado por homens.
“Ela é uma inspiração para os nossos alunos. Essa aprovação é inédita e serve de motivação para todos. É uma felicidade tê-la como ex-aluna, que agora ingressa em uma nova carreira diplomática”, afirma o professor Ulisses Olinda.
A aprovação de Shayana representa não apenas uma vitória pessoal, mas também um símbolo de transformação social. Ela demonstra que políticas de inclusão, dedicação e identidade cultural podem abrir portas para que mulheres negras do interior ocupem espaços tradicionalmente elitizados. “Quando falo isso, sei que as oportunidades não são iguais para todos, mas devemos lutar com as armas que temos. Temos hoje políticas que buscam democratizar o ensino e os espaços de fala para mulheres e minorias. A entrada de pessoas em concursos elitistas não deve ser vista como exceção, mas como um novo capítulo para que mais pessoas do Cariri, especialmente mulheres negras, possam mudar a cara desses certames. Isso é apenas o começo. O importante é saber que é possível. Não desistam da educação e de seus sonhos. Só a educação salva!”.