Os judeus nordestinos que transformam a religião no Brasil e atraem o interesse de Israel
26 de agosto de 2025 / 11:55
Foto: Divulgação

Em Messejana, um bairro de Fortaleza, Ceará, uma construção que abriga a sinagoga Beitel se destaca com sua fachada adornada com estrelas de Davi e candelabros, contrastando com as residências vizinhas. O edifício, que antes era uma igreja evangélica, começou a adotar práticas judaicas, segundo Flávio Santos, cantor litúrgico e líder da comunidade.

Flávio, que cresceu em uma família evangélica e é negro, representa a trajetória de muitos bnei anussim, termo hebraico que se refere aos judeus forçados a se converter ao cristianismo na Península Ibérica no século XV. Esses descendentes reivindicam laços sanguíneos com os judeus sefarditas, que foram convertidos à força durante a Inquisição, e atualmente, muitos estão retornando ao judaísmo, especialmente em comunidades periféricas do Nordeste brasileiro.

Nos últimos anos, o Brasil viu o surgimento de várias sinagogas, muitas em áreas antes sem presença judaica. Este movimento de retorno ao judaísmo já impactou Israel, onde alguns convertidos se estabeleceram e servem no Exército, embora também enfrente resistência de comunidades judaicas tradicionais no Brasil.

O documentário “Os novos judeus do Nordeste: a tribo perdida do sertão” explora esse fenômeno, retratando uma expedição que percorreu mais de mil quilômetros em quatro estados brasileiros.

Transformação de uma comunidade

Flávio Santos relata que, inicialmente, a igreja evangélica em Messejana enfatizava o Antigo Testamento, mas com o tempo, a comunidade passou a adotar o judaísmo messiânico, que mistura práticas judaicas com a adoração a Jesus. Em 2018, o grupo decidiu se converter ao judaísmo ortodoxo, que consideram mais fiel às tradições bíblicas. Para muitos, essa conversão representa um retorno às raízes de seus antepassados, com muitos descobrindo vínculos judaicos ao investigar suas histórias familiares ou realizar testes genéticos.

Flávio, por exemplo, identificou práticas de sua avó que o levaram a acreditar em laços com o judaísmo, como o costume de se banhar antes do shabat e a recusa em apontar para estrelas com os dedos, um reflexo do medo de perseguições na época da Inquisição.

Atualmente, a sinagoga Beitel conta com 45 membros convertidos, e suas atividades religiosas são guiadas à distância por um rabino de Israel. O movimento de retorno ao judaísmo no Nordeste teve seus primeiros registros na década de 1960, quando católicos começaram a buscar suas raízes judaicas e a frequentar sinagogas em cidades como Recife e Natal.

Os primeiros a se identificar como bnei anussim eram conhecidos como “marranos”, um termo pejorativo que foi reapropriado pelo grupo. A atual onda de conversões é marcada pela presença significativa de ex-evangélicos.

Crescimento e desafios

Estima-se que cerca de 30 mil bnei anussim tenham se convertido ao judaísmo nos últimos anos, de acordo com uma pesquisa do Samuel Neamen Institute. A Confederação Israelita do Brasil (Conib) não possui números exatos, mas estima que o total de judeus no Brasil seja de cerca de 120 mil, com indícios de que esse número está crescendo. Jacques Ribemboim, um escritor pernambucano, sugere que o número de nordestinos com ancestrais judeus pode ser ainda maior, potencialmente superando a população de Israel.

O fenômeno também se reflete na presença de ex-membros da comunidade que agora vivem em Israel, como um jovem que se converteu e se alistou no Exército israelense. Durante uma visita à sinagoga Beitel, ele expressou que a conversão lhe trouxe um senso de pertencimento.

Outro exemplo é Shoshana Lima, uma jovem que se converteu e mudou-se para Israel, onde adotou um novo nome e se sente livre para viver sua religião sem questionamentos. Ela observa que a visão do mundo sobre o conflito em Gaza é muitas vezes simplista, e espera que a paz prevaleça.

Desafios de aceitação

Apesar do crescimento do movimento, os bnei anussim enfrentam desafios em sua aceitação dentro da comunidade judaica tradicional. Aldrey Ribeiro, líder da sinagoga Branca Dias em Campina Grande, descreve a diversidade de opiniões políticas entre os membros de sua congregação e defende a inclusão dos palestinos em um futuro Estado.

A história dos judeus na Península Ibérica é marcada por séculos de liberdade religiosa, seguidos pela expulsão e conversões forçadas. Muitos cristãos-novos, descendentes de judeus, trouxeram suas práticas para o Brasil, onde puderam, por um breve período, professar o judaísmo abertamente durante a ocupação holandesa no século 17.

Os bnei anussim também relatam experiências de discriminação ao tentarem se integrar em sinagogas tradicionais, onde enfrentam resistência e preconceito. A Lei do Retorno de Israel permite que qualquer judeu, ou descendente de judeus, se mude para o país, mas as conversões realizadas fora do Rabinato-Chefe enfrentam dificuldades para reconhecimento.

O rabino Chaim Amsalem, que tem trabalhado para facilitar a conversão de bnei anussim, acredita que esse movimento é vital para o futuro do judaísmo. No entanto, suas práticas têm sido alvo de críticas e resistência dentro da comunidade judaica.

A educadora Jacqueline Passy, que assessora bnei anussim, ressalta que muitos desejam contribuir para Israel, embora o governo ainda tenha receios sobre a imigração em massa. A Conib expressou apoio ao movimento, mas não se manifestou sobre as críticas recebidas.

O retorno ao judaísmo por parte dos bnei anussim é um fenômeno complexo, que envolve questões históricas, culturais e políticas, refletindo a busca por identidade e pertencimento em um mundo em constante mudança.